A Ditadura da Felicidade

Qual foi a última vez que você se sentiu triste?

Mais importante ainda, como você reagiu à tristeza?

Antigamente, existia um padrão de resposta para esse tipo de situação:

  1. Você passava por uma tragédia;
  2. Ficava triste;
  3. Lidava com a tristeza até criar uma casca praquela ferida;
  4. Depois que caia a casca da ferida, você resolvia seu problema, se levantava e seguia em frente.

Hoje o roteiro mais comum tem sido:

  1. Você passa por uma decepção, uma frustração;
  2. Fica triste;
  3. Todos dizem que, se você está triste, deve estar deprimido;
  4. Você vai num médico, toma um antidepressivo, e espera que a causa da frustração mude.

Parece confortante a idéia de uma pílula que nos livra da tristeza, mas isso é só uma ilusão.

E se faz a pessoa se sentir bem, porque não deveria?

Se não tivesse nenhum efeito colateral, seria ótimo ter umas pílulas de Soma para vivermos felizes e satisfeitos, como no Admirável Mundo Novo.

Ao fugirmos da tristeza, perdemos a capacidade de lidar com as frustrações e desencontros mais banais da vida. Não exercitamos nossa resignação, nossa capacidade de cicatrização.

Fugir de todo e qualquer sofrimento é um escapismo besta, algo que destrói nossa capacidade de enfrentar o mundo. A gente acaba crescendo sem criar as proteções necessárias para sobreviver ao resto das pancadas que nos esperam.

O tempo que tínhamos para reconhecer a queda e só depois levantar e sacudir a poeira, era um tempo que permitia que aprendêssemos e nos preparássemos para as próximas quedas.

Esse momento de aprendizado nos foi podado pela obrigação que temos de ser felizes a todo instante.

Se nos sentimos tristes, isso logo é atribuido a algum desequilíbrio gravíssimo de neurotransmissores, e como existem pílulas que resolvem esse problema, a estratégia de melhora passa a ser somente conseguir uma dessas receitas.

A tristeza não é a mesma coisa que a depressão.

Os outros problemas, não resolvidos pela pílula, continuam lá embaixo da cama, esperando que sejamos expulsos novamente do quarto dos pais.

Ao equipararmos os dois, tiramos do sujeito a responsabilidade por enfrentar e superar suas dificuldades. Tornamos ele um dependente, incapaz de promover sua vida de forma independente.

Nos casos em que essa confusão da tristeza com a depressão parte de nós mesmos, ela costuma servir de desculpa para nosso comodismo.

Enfrentar o cotidiano é difícil e trabalhoso. às vezes, parece mais fácil interpretar o papel de inválido, aquele que todos tem que poupar, proteger e cuidar.

5 Comments on “A Ditadura da Felicidade”

  1. No budismo tem ate uma palavra mais forte, “Duka” que nos lembra da dualidade felicidade/sofrimento como estagios de um pendulo, inevitaveis, se alternando. As drogam teoricamente se propoe a bloquear o semi arco da tristeza/dor. Durante a dor sem antidepressivo, vc reencontra sua essencia. Ai ta o desconforto, mas tambem a chance de dar o salto qualitativo. Verdade Ovideo, tem muita gente tomando antidepressivo pra tristeza …e se contentando com aquela euforiazinha do pico do nivel sanguineo, la pelas 11h . Alivia, mas da ressaca…engorda e nao faz voce crescer.

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