História de fantasma

O sobrenatural se esconde em pequenos detalhes. Dizem que Eddie Van Halen tinha nove dedos em cada mão. Que as pernas de Garrincha tinham vida própria. Que Rubem Braga engoliu, quando criança, um dicionário e uma gramática com o desenho de passarinho na capa.

Foram micro-decisões, algumas em milissegundos, outras repetidas e ensaiadas milhões de vezes, que permitiram criações como Eruption e um gol que desarmou a zaga inteira do Olaria.

Como o cérebro chega lá? Será que é assim tão importante na hora de decidir?

O que faz alguém fazer uma obra-prima numa quarta-feira à noite?

Faça o exercício. Pegue um papel em branco e escreva os ingredientes necessários. Eu começo:

Prática. Estudo. Treino. Milagre. Inspiração. Sorte. Talento. Magia. Pacto com o sete peles. Bons professores. Persistência. Insanidade. Gênio. Coincidência.

Temos mil teorias para explicar. Nenhuma delas é completa, nenhuma delas é obrigatória, nenhuma delas é garantia de resultados.

A única coisa que é constante de toda obra sublime é que ela existe. Ou existiu por alguns instantes, e em alguns casos ficou gravada.

Quantos gols maravilhosos ficaram perdidos? Quantos poemas nunca foram escritos, olvidados para sempre depois de sussurrados ao ouvido, enterrado para sempre em arrepios na nuca e silêncio eterno?

E quantos rascunhos chegaram quase lá, mas não tiveram testemunha? Morreram na trave, no papel de embrulho, no ensaio?

E se essas criações inacabadas se tornassem etéreas, vagando ectoplasmáticos para todo o sempre, procurando novamente a possibilidade de se materializarem, outro escritor que transforme em matéria aqueles impulsos? Os fantasmas das criações não-nascidas, eternamente fadados a procurar um artista trabalhando para terminar o trabalho?


Este post é o 2 de um exercício chamado #the100DaysProject