O chato de escrever ficção cientifica

O chato de escrever ficção cientifica é descobrir que daqui a cinquenta anos eu vou ser o velho constrangedor que destila preconceitos. O tempo vai passar e eu vou ser aquele ancião desocupado que acha que as máquinas são seres inferiores, que defende o direito inalienável de comer carne, que é contra o divorcio de pais e filhos (“é uma relação que dura pra sempre, é assim desde o principio dos tempos”), que defende a privacidade (“é minha vida e não interessa à ninguém”), que acha que as drogas sintéticas são o fim do mundo e que deveríamos utilizar apenas as naturais.

Pensar o futuro faz a gente pensar no passado e como as pessoas pensavam. A única constante é que as pessoas sempre acham que o mundo nunca vai mudar.

Quando eu envelhecer, também serei um deles.

Matarei os jovens da minha família de vergonha. Terão receio de me apresentar aos amigos, para evitar que eu diga disparates a favor da democracia representativa, ou elogie a sabedoria e a tecnologia antiga. Idoso, baterei no peito, orgulhoso e repetirei as frases de Sócrates sobre as cabeças-de-vento da juventude, suas causas perdidas, sua falta de respeito, sua ignorância sobre as verdadeiras leis morais que deveriam reger a sociedade.

Porque na geração dos meus bisavós, era certo proibir a minha avó de dar aulas na escola primária, porque isso não era trabalho para uma moça casadoira. Na geração dos meus pais, era comum fazer piadas na televisão denegrindo mulheres, homossexuais ou drogados. Na minha, tem gente que acha bonito ser patriota, ter orgulho da raça, respeita religiões. Um a um, todos os tabus vão caindo, até que a minha geração tome o poder, e então, amigos, estaremos vingados. O mundo vai ser do jeito que eu quero e não vai ter filho nenhum pra mudar a minha opinião sobre a maneira mais correta de viver.

Não aguento esperar o dia em que serei anacrônico e defenderei absurdos indefensáveis com uma fúria inútil, retórica falaciosa e perdigotos argumentativos. Mesmo que não mudem de opinião, os jovens terão que me escutar.

E então voltarei à minha cadeira de balanço de aposentado, e voltarei a reler as obras clássicas da alinevaleque, daqueles idos tempos em que ela ainda queria mudar o mundo.

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