O espelho de mnemósine

Quem tem coragem de dizer a uma pessoa que está ficando gagá? Quem chega pra um avô querido ou uma senhora altiva que já dá pra notar a capacidade mental se esvaindo e revela tão triste e inexorável notícia?

Não falo daquela fase em que o adulto volta a ser bebê, balbuciando poucas frases, incapaz de se locomover. Muito antes dos estágios avançados, surgem pequenos sinais que, para as pessoas próximas, é mais fácil de notar.

Bastante antes da perda total, chega a fase das pequenas perdas de memória, repetições de histórias, os tiques exagerados. São detalhes que revelam o porvenir. Conheço uma senhora que conversa perfeitamente bem, cuida da própria vida sozinha, mas sempre que me encontra conta a mesma história, com os mesmos detalhes, como se fosse a primeira vez. E espera de mim aquela atenção surpresa de quem é virgem do conhecimento daquela narrativa.

Eu não sou próximo o suficiente para dizer-lhe: “Olhe, minha senhora, é a quinta vez que me diz isso, veja lá se está caducando.” Primeiro, porque ela não pode fazer nada para evitar. E segundo porque não é da minha conta partir-lhe o coração contando a má notícia. Sua família ou seus amigos que o façam. Eu apenas aceno, sorrio e me afasto. Os parentes me dizem com o olhar, “lá está ela outra vez. Coitada, é assim mesmo.”

Mas quem realmente faz isso? Quem conta a ela? Quem é o responsável? O que você faz quando ocorre entre os seus próximos? Esconde? Revela? Destrói o orgulho e amor próprio da pessoa? Ou condescentemente deixa pra lá, como se a raça humana fosse imortal? Quem é o encarregado de levantar o espelho da mortalidade de um ente querido?

O fim não do cérebro está próximo, mas ele vai chegar. E não chega de uma vez, com a misericórdia brutal de um infarto. Vem devagar e inevitável, impiedosa e violenta como as garras do tempo.