Da escrita

Posted by tarrask on March 16, 2011 · 9 mins read

_Este foi meu primeiro conto publicado em qualquer lugar, em algum jornal de João Pessoa, cujo nome nem lembro.

Dedicado a Thiago Falcão e a uma aposta de madrugadas…

E eis que o escritor traz à tona da profundeza de sua mente e pensa em colocá-las no papel. Com idéias, de tudo é capaz. Senta-se e prepara o necessário. Às vezes papéis de diferentes tipos, para rascunho, para datilografar, para a nova impressora que talvez queira funcionar, para fazer pequenas notas e correções ortográficas, lembretes para o corretor e o editor, talvez até para um bilhete pedindo para alguém fazer o jantar, pois o texto pode custar a sair.

Lápis, borrachas, canetas, máquinas de escrever, computadores, clipes, dicionários de verbete e de rima. Toda sorte de acessórios que podem se fazer necessários na hora da escrita. Ele coloca todos sobre a mesa antes de escrever, para tê-los sempre à mão.

Tudo pronto, então inicia-se o fenômeno da transformação de verbetes em arte. Começa-se com uma letra maiúscula e termina-se com um ponto final. Entre estes dois, as idéias. Foi Neruda quem disse isso.

Há de decidir-se entre a prosa, o verso ou alguma brincadeira entre estes. A liberdade dos textos modernos o permite. Pode escrever tanto minuciosamente quanto sucintamente, aliás, o modo único para textos em verso. Não importando a sua escolha, ele têm idéias, portanto há uma história.

Talvez no começo do texto ele explique quem são as personagens, aonde se passa a cena, o cenário e dê algumas dicas do que pode acontecer. Ou talvez ele prefira técnicas mais modernas de narrativa, em que ele não revela nada das suas personagens previamente, e todas as pistas são dadas pelo comportamento delas. Ou então, decerto para facilitar seu trabalho, além de criar algo completamente novo, ele resolva negar ao leitor o conhecimento que ele, autor, deveria ter sobre sua personagem. Negando ter esse conhecimento, não necessita explicá-lo.

Ele pode até soltar vários ganchos no início do texto, para depois, no desenrolar de seu novelo narrativo, atá-los às outras pontas, criando até uma idéia de complexidade da escrita. Pistas sobre o futuro podem acontecer, consciente ou inconscientemente. Ele sabe disso, e saboreia a idéia. Talvez até ele mesmo se surpreenda com o resultado.

A escrita, feita rapidamente, seria digna de ser chamada de um ‘processo kardequiano’. O texto flui de suas mãos quase como se não fosse ele o autor. Claro, será posteriormente trabalhado, polido, esculpido, podemos dizer até lapidado, até que ele se sinta satisfeito.

Para terminar o começo da história, falta apenas um problema, um dilema, uma situação na qual a ou as personagens deverão viver, enfrentar, causar ou apenas deixar passar em branco. Pronto. Há um começo de texto vindo.

Vive-se emoções no texto. Algumas frases são postas para a reflexão. Sim, como todo escritor, ele adora escrever. Ele também realiza-se quando escreve. Entristece-se quando há tristeza no texto, ri quando suas palavras lhe soam engraçadas, chega a afligir-se quando há um imenso perigo do qual nem mesmo ele sabe livrar-se colocando a vida e talvez a felicidade das personagens em perigo. Além disso, ele tem mais motivos para escrever. Talvez precise da renda que seus escritos gerem. Talvez precise da glória de ser reconhecido como um grande escritor. Talvez queira impressionar alguém. Uma garota, por quê não? Eis aqui o nosso escritor envolto em aventuras.

A situação, o problema, o dilema aumenta. Aparecem os antagonistas, os vilões, os oponentes, traidores ou toda a sorte de personagens que não devem ser vistos como exemplo nem como boas pessoas para o público. Podem ser vistos até como pessoas fracas, que precisam de ajuda, vítimas de alguma forma de maus tratos que as tornaram o que são, mas nunca podem ser como os protagonistas. Mesmo que vençam no final serão vencidos, num paradoxo explicável somente por serem os preteridos do escritor do texto, o senhor absoluto de toda a história. Hão de perder, apenas por não possuírem carisma suficiente para impressionar a única pessoa que lhes poderia salvar. Triste fim.

O mais interessante é quando os antagonistas e protagonistas se confundem. Algumas vezes o nosso narrador costuma, em um lampejo momentâneo enquanto escreve, vir a gostar de um dos vilões, e torna-o mais humano, mais protagonista. Ele pode, na medida em que o texto se desenrola, tornar-se o foco da história durante algumas cenas. Inclusive nas cenas finais, se o nosso texto pedir algo trágico, ou se o escritor estiver num mau momento no dia que estiver finalizando o texto.

É importante frisar que o humor do nosso companheiro mestre de letras pode alterar tanto o curso da história que ele pode até ter problemas de chegar ao final desejado. Comparando seu texto elaborado com os rascunhos e notas, que estão anotadas em caligrafias tremidas ao redor das folhas de texto, sempre há discrepâncias. Entretanto, o texto vive apesar delas.

De repente, perdida no mar de linhas do texto, surge então a salvação, a idéia que irá tirar a todos desta enrascada. As personagens, da situação enfrentada por causa da imaginação fértil de nosso escritor e de seu vício por escrever. O escritor será liberto do texto, que, após acabado, não mais requererá seus cuidados para manter-se vivo, nem tampouco sua exaustão física e mental para conseguir colocar no papel todas as idéias que tinha antes que o último ponto final chegue.

Essa linha é seguida pelas personagens protagonistas, com as antagonistas tentando impedi-las. O que seria da literatura sem a oposição? Tudo seria perfeito, chato, simples e curto. Mas ainda bem que nós temos uma história com nosso escolhido, e por isso o texto será produzido.

Ele dá a deixa para a finalização do trabalho, explica tudo o que aconteceu, ou então deixa de explicá-lo pelo mesmo motivo pelo qual há pouco pôde negar-se a explicar suas personagens aos leitores: a liberdade de escrita que o protege.

Antes, porém, de concluir o texto, ele tem que novamente lê-lo para ligar e explicar todos os ganchos e pontas soltas para costurá-los de volta, ou então, novamente apelar para a liberdade de escrever um texto com pontas soltas. Essa liberdade, entretanto, não deve ser abusada, sob pena de causar estragos irreparáveis ao texto, à história e ao autor.

Ainda falando da liberdade, pode-se ser considerado que o autor é preso ao texto, portanto não é livre até que este encontre-se acabado. Pode, entretanto, o autor rasgar os papéis e guardar suas idéias nas profundezas do seu inconsciente até que não possa mais lembrar nem de resquícios destas. Mas isso é improvável, já que ele não pode viver sem o texto, e o texto tampouco sem ele. São simbiontes, e por isso seu empenho em melhorar a qualidade, para que, já que não há escolha e o esforço de escrever deve ser feito, o texto seja o mais perfeito possível e seu autor então, o seu emérito criador.

Ao idealizar o final, vendo as linhas chegarem ao fim, ele começa a imaginar os comentários que seu texto possa gerar, os elogios que ouvirá, e aonde serão apontadas suas falhas. Começa então a justificá-las ou corrigi-las. Ninguém gosta de críticas.

Aproxima-se o final. O texto cresce e aparenta ser estruturado. Já as personagens, os eus-líricos, os cenários e a história indicam onde terminarão no final. Os ganchos prendem-se uns aos outros, as pontas soltas costuram-se como uma roupa nova, pronta para ser lançada ao mercado e à moda. Tudo está no seu devido lugar. As figuras de linguagem não exageram, mas dão o sabor correto ao texto. Para encerrar, falta apenas a chave de ouro, o acabamento perfeito, o término do texto. Ele poderia a
mpliar o texto e escrever mais, apenas por escrever. Mas o perfeccionismo não permite. Ele para, pensa, respira. Então, ele joga nas últimas linhas um final feliz.