O livro infinito

Posted by tarrask on December 27, 2013 · 7 mins read

A maior descoberta literária de todos os tempos aconteceu há mais de sete séculos, num mosteiro espanhol. Depois de duas décadas copiando e traduzindo textos em latim, árabe e grego, o frei Giorgio Romano encontrou o esboço da teoria do todo literário num manuscrito árabe. No texto, atribuído a um pensador da corte do grande sultão Harum al-Rachid, é levantada a hipótese de que todas as histórias são repetições de padrões, assim como as frases são apenas repetições de letras. Para o autor do manuscrito, cuja identidade não foi identificada pelo monge, novos autores podem tentar recriar as histórias com novas roupagens, mas nunca conseguirão criar um texto original.

Frei Giorgio traduziu o texto para o dialeto de sua Nápoles natal, na tentativa de mantê-lo para a posteridade, já que a alta hierarquia da Igreja não iria permitir que um texto árabe com tais revelações continuasse existindo. De fato, foi destruído por algum de seus sucessores nas responsabilidades de manter a biblioteca. A copia, cuja autoria estava cifrada em outros dois textos permaneceu guardada junto a outros poucos livros escritos em vários dialetos daquela região da Itália naqueles tempos.

Houve, no século XVII, uma tentativa de encontrar a cópia original, depois que foi descoberto um dos dois livros que continham o código, revelando a autoria do texto e um pequeno detalhe do seu conteúdo. Porém, as tentativas de decifrar o significado das palavras X e Y fracassaram retumbantemente, e nenhum estudioso conseguiu resolver o problema.

Num incêndio, parte da biblioteca do mosteiro de Santo Anselmo foi transferida para outros da região. O que se descobriu depois foi que alguns poucos livros sobre dialetos foram levados para Avignon na época dos Antipapas, por ordem de um Arcebispo italiano. Depois disso, não há mais registro de nenhum livro sobre dialetos falados na penísula itálica no século treze em nenhum mosteiro do sul da Espanha.

No fim da Primeira Guerra, Wilfred Müller, oficial do Exército Austríaco, salvou vários livros muito antigos escondidos de um incêndio em uma igreja no norte da Itália. Impressionado com as iluminuras, guardou alguns para dar de presente à filha, ainda criança.

A jovem Margaret Müller adorou as ilustrações e os textos que nem ela, nem seus pais, nem seus colegas eram capazes de ler. Pouco antes da Segunda Guerra, quando seu pai já havia sido nomeado major, já falava italiano, e compreendia algo do conteúdo da tradução de Giorgio Romano. Na universidade, apaixonada por letras, estudou literatura e línguas antigas, mas não terminou o curso devido à guerra.

Em 45, após a tomada de Berlim e o julgamento dos oficiais, seu pai decidiu viajar para a Argentina com a família, em busca de uma nova vida para a família, que tinha perdido Wilfred, o irmão mais velho de Margaret, além de vários amigos, conhecidos e parentes.

Quando casou com Julio Goméz, Margaret dava aulas de alemão e italiano em Buenos Aires, seus pais viviam em uma pequena em uma cidade próxima, enquanto a jovem tentava novamente concluir o curso de literatura e ensaiava pequenas histórias e poemas.

Com críticas literárias favoráveis de professores e colegas, lançou um livro, depois outro e mais vinte e sete, até que resolveu parar de escrever em 82, quando seu marido morreu. Chegou a ser indicada para o prêmio Nobel em 86, mas recusou, alegando que seria melhor que fosse dado a um jovem talento, para que tivesse condição de aprimorar seu trabalho. Desde então viveu reclusa em seu apartamento na capital, cercada de livros e gatos.

Em 1993, uma jovem repórter pediu para entrevistá-la, e Margaret revelou que aprendera tudo que sabia de literatura de uma obra sem título que ganhara do pai quando era criança, e que era escrita num italiano muito antigo. Revelou o segredo de sua carreira fértil e de sucesso no campo da literatura. A reportagem saiu numa revista dominical de literatura portenha, que chegou às minhas mãos tempos depois. Acreditando se tratar da obra traduzida por Giorgio Romano, cuja criptografia dos créditos já foi revelada pelo Dr. Pietro Sccomba nos anos 60, tentei entrar em contato com a senhora.

Apesar da idade, Margaret Müller estava bem lúcida, e contou-me toda a história que conhecia o livro, como fora achado por seu pai, da maneira que ele havia contado. Do mesmo modo, contei as informações que dispunha, das histórias, fatos e fantasias que haviam ao redor do livro no mundo acadêmico, principalmente entre os religiosos dos séculos passados. Ela me permitiu ver o livro. É um pequeno tomo, com as folhas marcadas pelo uso (que suspeito terem sido causados, em boa parte, pela proprietária atual), escrito numa versão complicada e formal do italiano, cheia de alegorias e comparações que pareceriam inexplicáveis para um falante moderno.

Ela contou que foi muito fácil escrever depois de conhecer as ‘histórias primárias’, como ela chamava, e que até a maneira como lia mudou. Nas palavras dela, “se cada livro fosse um palácio, ela era capaz de ver as estruturas e as fundações que o permitiam ir tão alto, e por isso conseguia fazer com que seus livros fossem bastante sólidos”.

Contou que não escrevia mais porque a grande motivação e seu grande leitor era o marido, e portanto não tinha mais a vontade necessária para o ‘trabalho braçal da escrita’. Já era consagrada nos meios literários e bastante rica para uma escritora.

Sugeri que ela traduzisse o livro para o alemão ou para o espanhol, para que a humanidade tivesse acesso a essa obra, e então que pudesse criar mais e mais histórias e multiplicar ainda mais o número de livros. Ela disse que tentaria e que entraria em contato.

Depois de seis anos e cartas esporádicas, Margaret me enviou o primeiro rascunho da tradução. Após alguma discussão, chegamos à conclusão quanto aos trâmites burocráticos de impressão, editora, distribuição, e hoje tenho o orgulho de escrever o prefácio desta obra grandiosa que, graças ao esforço de uma grande escritora, mudará para sempre a história e a maneira de se fazer literatura em todo o mundo.

Joaquin Augustín
editor