O médico que salva o artista é o mesmo médico que salva o burocrata

Posted by tarrask on July 03, 2013 · 2 mins read

“É fácil julgar o publicitário que faz campanha para vender carros, políticos e pedir doações pra Anistia Internacional”, disse um dos presentes na mesa, tomando gole do café de uma vez e se levantando, apressando para voltar para o plantão. “Foda é voltar pro trabalho, fingindo que estou feliz, porque vou operar uma atendente do Detran. E o pior: como ela tem plano de saúde, tenho certeza que nem ficou na fila, nem precisou preencher cinquenta formulários e voltar outro dia porque não trouxe a cópia do CPF. Tá lá, sendo anestesiada e eu vou ter que salvar a vida dela.”

O Dr. Pacheco primeiro ficou indignado ao escutar o colega, mas depois entendeu. Algo dentro dele achou esquisito concordar, mas era verdade. Um professor é mais importante do que um político. Uma parteira é mais importante que um coveiro. Ou não? Toda vida vale a mesma coisa? É claro que isso é um pensamento de médicos, uma atendente do Detran nunca pensaria no valor das vidas humanas. Se tivesse alguma consciência do importante que é o nosso tempo nessa terra, não obrigaria aquela senhora a voltar outro dia, porque o sistema não consegue comprovar a existência do CEP. Desistiu de ponderar, e perguntou ao colega:

“Então, pra você, um neurocirurgião é mais importante que um ortopedista?”, esperando que o colega entendesse a indireta, e o ego saltasse, alarmado e ofendido da sua condição de executor de artroscopias, enquanto que ele, o Pacheco, vivia brincando de Deus com os neurônios de seus pacientes.

“Sim, claro. Nós podemos viver sem joelhos, mas nunca sem cérebro, verdade?”, disse o colega, num surto de humilde honestidade.

O Pacheco concordou, assentindo com a cabeça, diante de um elogio incômodo.

E voltaram os dois ao hospital, o ortopedista colega do Pacheco para religar os tendões da funcionária do Detran, e o renomado neurocirurgião Pacheco para assinar o óbito de um desembargador.