Ser 9vinha

Posted by tarrask on April 21, 2014 · 6 mins read

Ser 9vinha não é viver em um condomínio fechado: é muito mais! Ser 9vinha é sorrir provocante pros homens e rir atiçando as inimigas, rir como se a atenção, de vontade ou de inveja, provocasse uma tosse de riso irresistível.

Ser 9vinha é fingir não usar pintura alguma, às vezes, e tirar fotos sem filtro, os cabelos desarrumados como se ventasse forte, o corpo todo escondido dentro de roupas de ficar em casa, mas lançando fogo pelos olhos. Ser 9vinha é lançar fogo pelos olhos.

É viver a tarde inteira, em uma atitude esquemática, a contemplar a timeline, só para poder postar depois que ficou a tarde inteira dando likes em fotos, sem pensar em nada. É passar um dia todo descalça no apartamento da amiga olhando para a tela do celular sem dizer uma palavra. Ser 9vinha é possuir smartphone comprado com dinheiro alheio e perambular pelas ruas do bairro com um ar sonso-vagaroso, atenta ao movimento dos pixels e indiferente ao mundo imediatamente ao seu redor. É tirar selfies nua exatamente na hora em que ela vai ser imprescindível e sedutora. É também falar de memes e dançar a música mais chocante porque os novinhos gostam e os velhos se chocam, completamente consciente de que vive um momento único que que o futuro e as reputações não têm a menor importância.

Ser 9vinha é poder usar shorts minúsculos como se fosse uma decoração, um adjetivo para a bunda e para o espírito. É esvaziar o sentido das coisas que os velhos levam a sério, mas é também dar sentido de repente ao vácuo absoluto. Aguardar nas indiretas o momento exato de ir à forra postando verdades contra a falsa amiga. É ter uma pasta cheia de arquivos, links e fotos, DMs de possíveis paqueras, anotações criptográficas com os dez mais gatinhos do Tinder, um print de uma frase do Jabor que pode ser uma indireta pra ela ou para a humanidade inteira, toda uma biografia de links desenlaçados. Ser 9vinha é a inclinação do momento.

É mandar muitas mensagens, demais, revirando-se no chão como dançarina no deserto estendida no chão. É querer ser rapaz de vez em quando só para não sofrer slutshaming. Achar muito bonito um avatar muito feio; achar tão simpática uma senhora tão antipática. É postar fotos fumando um cigarro que não dá pra saber se é outra coisa na sacada do apartamento, pensando coisas brancas, pretas, vermelhas, amarelas.

Ser 9vinha é provocar o amigo do pai com uma mensagem que só diz oi com catorze letras, e a gente vai ver que aí pode ter coisa: ela já tem idade para provocar o amigo do pai. É sentir uma vontade doida de tirar e postar fotos sem roupa, completamente. É ficar eufórica à vista de um Camaro. Falar inglês sem saber verbos irregulares, só para entender memes e escrever mensagens pro AplusK. É ter comprado na threadless uma camiseta #irônica e <3.

É ainda ser 9vinha chegar em casa ensopada de chuva, úmida camélia, e reclamar pra timeline inteira que está chovendo e colocar a culpa no governo. É andar vestida de hipster e todo mundo pensar com piedade que ela era uma louca varrida. É baixar séries e mais séries por torrent e netflix, mas com um jeito de quem não espera mais nada desta vida. É dizer uma vez bebido dois gins, quatro uísques, cinco taças de champanha e uma de cinzano sem sentir nada, mas na verdade bebeu só um cálice de vinho do Porto e ter dado um vexame modelo grande. É o dom de falar sobre futebol e política e tudo o mais sem entender nada.

Ser 9vinha é atravessar de ponta a ponta o chão da boate com uma indiferença mortal pelas mulheres presentes e ausentes. Ter publicidade e desistido, apesar de tantos estágios de social media. Ter tirado oito mil fotos de um gatinho magro que miava de fome e ter aberto uma lata de salmão para o coitado. Mas o bichinho comeu o salmão e morreu. #CulpaDoPT. É ficar pasmada no escuro da varanda fazendo posts para ninguém sobre a miserável traição. Amanhecer chorando, anoitecer dançando, compartilhando 24 ininterruptamente. É manter o ritmo na melodia atonal. Usar e tirar foto do mais caro perfume de blusa grossa e blue-jeans. Ter horror de conexão lenta, visita dentro de casa, fantasmas e baratas. Ter compaixão de um só mendigo gato entre todos os outros mendigos da Terra. Baixar a discografia inteira de um violinista estrangeiro de quinta ordem. Eventualmente, ser 9vinha é como se não fosse, sentindo-se quase a cair do galho, de tão amadurecida em todo o seu ser. É fazer marcação cerrada sobre a presunção incomensurável dos homens. Tomar uma pose, ora de meme, ora de minueto, sem que se dissipe a unidade essencial. É policiar a timeline de parentes, amigos, mestres e mestras com um ar songamonga de quem nada vê, nada ouve, nada fala.

Ser 9vinha é adorar. Adorar o inalcançável. Ser 9vinha é detestar. Detestar o que tem. É acordar ao meio-dia com uma cara horrível, comer somente e lentamente uma uma vitamina de whey, e ficar de pijama twittando até a hora do jantar, e não jantar, e ir fotografar para o instagram um sanduíche americano na esquina, tão estranha é a vida sobre a Terra. 

(O louco da Paraíba. Miami: sem editora, 2014).

Com toda humildade, peço perdão por estragar o texto original de Paulo Mendes Campos

Este texto é uma versão assassinante de: Ser brotinho, Paulo Mendes Campos (O cego de Ipanema. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1960).