Diretas já?

Tudo começou quando a última geração que votou em células de papel acabou de morrer. Naquele tempo, já não restava desconfiança em máquinas (somente os computadores eram mesmo capazes de somar dados tão grandes) e também com as questões de verificação de identidade (quando o DNI se tornou um sistema praticamente inviolável).

Fizeram um Grande Plebiscito e pronto: findou-se a missão de um Congresso Nacional, eliminaram-se os atravessadores da democracia. O povo votaria diretamente. Tudo: leis, códigos, regulamentos, emendas e sonetos. Aprovariam orçamentos e nomeariam ministros. Ninguém tinha o cabresto da vontade alheia, os partidos deram vez às ideias.

Não havia mais a necessidade de um edifício desenhado por Niemeyer para sediar o debate. Este ocorreria em praças públicas programadas por Zuckerbergs, pelo tempo que fosse necessário. Quando o povo estivesse convencido, aprovaria a lei e proclamava sua validade. Em seu próprio nome, sem tutores. Não era preciso pauta, não era preciso quórum. Quando a matéria tivesse maioria, era lei. Quando não, continuaria humilde proposta.

Qualquer pessoa poderia propor uma ideia. Quem quisesse apoiar seria livre para tal. Tal como o Avaaz, uma plataforma popular em tempos mais primórdios, as medidas populares alcançaram sua própria projeção e divulgação. Tão democrático quanto a Atenas antiga, se na Grécia os escravos, as mulheres, os estrangeiros e os pobres fossem considerados gente.

Os cientistas políticos daquele tempo tinham dificuldade de justificar o uso do método anterior. Não conseguiam entender como a democracia representativa tinha durado tanto, tantos séculos nos quais uma pequena minoria alegava representar a voz de uma maioria silenciosa e (quase sempre) bastante ignorada em suas necessidades mais básicas.

Mas depois que um, dois, três países foram adotando o modelo, principalmente em culturas escandinavos, paulatinamente todo o mundo seguiu os passos. Até que a China, maior potência da época, adotou o esquema do Politburo Universal, aí o modelo da Democracia Direta Mesmo virou o mais comum no planeta. Algumas poucas culturas já decadentes permaneceram presas às tradições antigas, mas cada vez mais escanteadas das grandes questões mundiais.

O sistema até tinha suas falhas. Diziam que era o pior de todos, com a exceção de todos os outros. Mas o único modelo de estado que conseguiu superá-lo foi a ditadura das Inteligências Artificiais, que só acabou quando o planeta foi invadido por alienígenas.