Relógio que atrasa não adianta

Depois do almoço, me encontrei pensando num conceito novo, que resolvi chamar de sabedoleto. Assim como o idioleto seria o idioma pessoal, na definição do Millôr, o sabedoleto seria aquela peça de sabedoria que um indivíduo sempre expressa. 

Não é a mesma coisa que o velho ditado popular, que está na boca do povo, como “nunca julgue um livro pela capa,” mas uma certa frase – quase sempre sábia – que é repetida por uma pessoa.

Por exemplo, o título deste texto, que sempre me lembra do meu pai. Não saberia dizer quantas vezes o ouvi repetir este trocadilho, tão certo quanto pegajoso.

Sou capaz de lembrar de várias frases que ele usa (e que raramente vi outra pessoa usar), algumas universais e outras que representam o seu próprio modo de ver o mundo. Sinal de convivência.

O sabedoleto do meu pai é maravilhoso porque usa o truque do navegar é preciso, a ambiguidade do duplo significado sintetizada em poucas palavras. Adiantar é o oposto de atrasar, mas também significa não prestar.

A origem do sabedoleto não vem ao caso. Não sei se ele ouviu em algum lugar e passa a vida a repeti-lo, ou se é de autoria própria. É dessas coisas que parecem que sempre existiram, desde a invenção do relógio.

Estas reflexões só me vieram à cabeça porque estou ~como sempre~ atrasado. Aceitei o desafio de escrever 250 palavras todos os dias por 100 dias, mas devia ter começado ontem.

”Estou atrasado,” diria o coelho.

Por que sempre estou aceitando desafios? Por que sempre ficando pelo caminho? E quem sabe se desta vez eu termino?