Todo dia é um caderno novo

O sutil crec das folhas novas e limpas, algumas ainda semi-grudadas. A lombada sem o hábito de ser esticada.

Quantos pensamentos cabem lá? Quantas novas histórias e velhas lembranças podem ser anotadas?

Tem dias que a gente levanta e só quer ler. Repetir as frases de algum dia passado, reescrever entrelinhas, editar texto. Foge da próxima página, a mão se recusa a começar uma nova linha. A mão da caneta para, enquanto observo o papel ali, esperando alguma coisa urgentemente.

Outras vezes, dá pra ver as letras jorrando. Uma atrás da outra, uma linha incontrolada vai desenhando, sulcando o papel, eternizando um pensamento que é fugaz na geleia do cérebro sem cafeína.

Mas tá lá. No papel. Tá guardado para seculum seculorum, amen. Ou pra ser revisto na semana que vem.

A página guarda qualquer ideia. Boa, ruim, ou impensável. Especialmente as impensáveis, diria. O papel aceita tudo.

Estou mudando a minha relação com cadernos.

Há alguns anos, lembro de ter ficado muito chateado porque andava com um pra lá e pra cá, e nunca terminava. Às vezes lembrava de anotar alguma coisa, ou fazer um brainstorm, mas era somente um peso na mochila, e eu terminei abandonando o coitado.

Estou numa fase acumuladora, comprando uns cadernos novos, para coisas diferentes, de tamanhos diferentes. Começo a achar que é mais fácil me concentrar, e mesmo guardar a informação, se estiver fazendo isso no papel, do que em algum aplicativo de notas.

Ou talvez seja a síndrome do shiny toy, de que é mais legal um brinquedo novo, e daqui a pouco eu enjoo.

Tem uma percepção que me parece interessante: a sensação de colocar palavras no papel dá uma vibe de que eu estou realmente escrevendo, comparada com apertar botões num teclado ergonômico.

Além da vibe caderninho no banco de praça num dia frio vendo as pessoas passarem, que também é inspiradora.

Também queria mudar a minha relação com os dias

Do mesmo jeito que tenho um caderno para fazer log de trabalho, outro só pra rascunhar pensamentos aleatórios, e um que tem mil coisas inúteis e que eu nunca penso em reler, poderia ter dias diferentes para cada coisa.

Por exemplo, decidir que as sextas-feiras são só para brainstorm, ou que as tardes de terça são para corrigir códigos de alguns apps que estão em progresso.

Fechar um tempo, um espaço e um caderno para uma atividade específica, e ser aquela atividade enquanto estiver naquele flow.

Usar a ferramenta, mas também me tornar o utilizador da ferramenta. O ferreiro usa o ferro, etc.

Ser o que faço é fazer o que sou.